sexta-feira, 31 de outubro de 2008

DESPERDIÇANDO DIAMANTES

Li o artigo de Cláudio Moura Castro na Veja, falando sobre a falta de políticas de desenvolvimento para crianças naturalmente talentosas, superdotados ou com altas habilidades. Como mãe de uma criança agraciada com altas habilidades no campo intelectual, posso contar da via crúcis que é encontrar dentro do sistema educacional, escolas que verdadeiramente estimulem essa capacidade.
Alguns modelos pedagógicos tradicionais, que incentivam a memorização através da repetição não têm sentido para crianças assim. Elas aprendem quase que instantâneamente os conteúdos escolares se estiverem interessadas. È uma forma diferente de aprender, que sequer passa pelo conhecimento da maior parte dos professores.
Acabei de sair de um curso de Pedagogia. Um bom curso, de uma Universidade Estadual. Sabe o que se falou sobre superdotação neste curso? Absolutamente nada.
O modelo corrente de um superdotado é o de gênio nerd. Nada mais absurdo. Em alguns casos, as altas habilidades ocorrem em áreas não intelectulizadas, como no esporte e na música. Nesse caso, a escola vai passar batido pelo talento da criança. Enquanto esta, só tem foco pra sua habilidade, gerando um desconforto muito grande.
Cláudio de Moura Castro cita o geneticista russo Wladimir Efroimson, que afirma que "o talento não é uma propriedade privada, é uma propriedade pública e ninguém tem o direito de desperdiçá-lo". Crianças talentosas precisam de professores preparados pra lidarem com os desafios que estas impõem. Precisam de lapidadores conscientes do diamante que têm nas mãos. Precisam de pais capazes de compreender e estimular o seu talento. Precisam de uma escola equipada com laboratórios, computadores, bibliotecas e bons professores ( principalmente). Precisam de políticas públicas que não permitam que continuemos desperdiçando o brilho dos nossos diamantes.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Ir embora

Sinto ás vezes uma irremediável vontade de ir embora. Deixar pra trás roupas, fotos e pessoas e começar tudo do zero. "Mas como, diriam alguns, deixar as pessoas que você ama? E os filhos, mãe ingrata?"

Digamos que esse ir embora seja um perder a memória, apagar da sua cabeça um tanto de coisas que fez e viveu e permitir-se começar dum quase zero. Outro lugar. Outros móveis. Outras roupas. Um outro corpo, talvez ( de preferencia mais magrinho, certo?) .

Li, no podcast do Mainardi "Assim como um crente dispensa argumentos terrenos para acreditar em Deus, eu também dispenso argumentos para acreditar na necessidade de ir embora. Ir embora é meu valor supremo, absoluto. Migrar é minha única fé. Sou uma espécie de padre Anchieta dos migrantes: tento converter o gentio a tapar as vergonhas, fazer as malas e ir embora. Em se tratando de brasileiros e brasileiras, essa é invariavelmente a parte mais difícil: tapar as vergonhas. Adeus."

Reiventar-me num outro circuito espaço-tempo?

Quero ir embora.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008


Hoje comentava com meu amadíssimo sobre o fato de as vezes a gente compreender todo mundo que está a nossa volta, mas ninguém compreender a gente quando está irritado, mal humorado, achando a vida uma titica de galinha.

Creio que meu maravilhoso humor de hoje se deve ao fato de ter ouvido gritos e ordens ao telefone de alguém que vive sem controle emocional. Decidi gritar de volta, e apesar de ter as razões para agir assim, francamente, meu dia foi pro ralo.

MACHADINHO ARREBENTA!

Bom, é centenário de morte do hómi! "Apenas" um dos maiores romancistas do mundo, crítico social e cronista social. Um mimo pro "Bruxo"!

A ESCRAVIDÃO levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-deflandres.A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dous para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber. perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aíficavam dous pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.Há meio século, os escravos fugiam com freqüência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém decasa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento dapropriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: "gratificar-se-á generosamente", -- ou "receberá uma boa gratificação". Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.Cândido Neves, -- em família, Candinho,-- é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga, cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos. Tinha um defeito grave esse homem, não agüentava emprego nem ofício, carecia de estabilidade; é o que ele chamava caiporismo. Começou por querer aprender tipografia, mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor bem, e ainda assim talvez não ganhasse obastante; foi o que ele disse a si mesmo. O comércio chamou-lhe a atenção, era carreira boa. Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho. A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda do orgulho, e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade. Fiel de cartório, contínuo de uma repartição anexa ao Ministério do Império, carteiro e outros empregos foram deixados ouco depois de obtidos.Quando veio a paixão da moça Clara, não tinha ele mais que dívidas, ainda que poucas, porque morava com um primo, entalhador de ofício. Depois de várias tentativas para obter emprego, resolveu adotar o ofício do primo, de que aliás já tomara algumas lições.Não lhe custou apanhar outras, mas, querendo aprender depressa, aprendeu mal. Não fazia obras finas nem complicadas, apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras. Queria ter em que trabalhar quando casasse, e o casamento não se demorou muito.Contava trinta anos. Clara vinte e dous. Ela era órfã, morava com uma tia, Mônica, e cosia com ela. Não cosia tanto que não namorasse o seu pouco, mas os namorados apenas queriam matar o tempo; não tinham outro empenho. Passavam às tardes, olhavam muito para ela, ela para eles, até que a noite a fazia recolher para a costura. O que ela notava é que nenhum deles lhe deixava saudades nem lhe acendia desejos.Talvez nem soubesse o nome de muitos. Queria casar, naturalmente. Era, como lhe dizia a tia, um pescar de caniço, a ver se o peixe pegava, mas o peixe passava de longe; algum que parasse, era só para andar à roda da isca, mirá-la, cheirá-la, deixá-la e ir a outras.O amor traz sobrescritos. Quando a moça viu Cândido Neves, sentiu que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile; tal foi-- para lembrar o primeiro ofício do namorado, -- tal foi a página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado. O casamento fez-se onze meses depois, e foi a mais bela festa das relações dos noivos. Amigas de Clara, menos por amizade que por inveja, tentaram arredá-la do passo que ia dar. Não negavam a gentileza do noivo,nem o amor que lhe tinha, nem ainda algumas virtudes; diziam que era dado em demasia a patuscadas.--Pois ainda bem, replicava a noiva; ao menos, não caso com defunto. --Não, defunto não; mas é que... Não diziam o que era. Tia Mônica, depois do casamento, na casa pobre onde eles se foram abrigar, falou-lhes uma vez nos filhos possíveis. Eles queriam um, um só, embora viesse agravar a necessidade.--Vocês, se tiverem um filho, morrem de fome, disse a tia à sobrinha.--Nossa Senhora nos dará de comer, acudiu Clara. Tia Mônica devia ter-lhes feito a advertência, ou ameaça, quando ele lhe foi pedir a mão da moça; mas também ela era amiga de patuscadas, e o casamento seria uma festa, como foi. A alegria era comum aos três. O casal ria a propósito de tudo. Os mesmos nomes eramobjeto de trocados, Clara, Neves, Cândido; não davam que comer, mas davam que rir, e o riso digeria-se sem esforço.Ela cosia agora mais, ele saía a empreitadas de uma cousa e outra; não tinha emprego certo. Nem por isso abriam mão do filho. O filho é que, não sabendo daquele desejo específico, deixava-se estar escondido na eternidade. Um dia. porém, deu sinal de si a criança; varão ou fêmea, era o fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura. Tia Mônica ficou desorientada, Cândido e Clara riram dos seus sustos. --Deus nos há de ajudar, titia, insistia a futura mãe.A notícia correu de vizinha a vizinha. Não houve mais que espreitar a aurora do dia grande. A esposa trabalhava agora com mais vontade, e assim era preciso, uma vez que, além das costuras pagas, tinha de ir fazendo com retalhos o enxoval da criança. À força de pensar nela, vivia já com ela, media-lhe fraldas, cosia-lhe camisas. A porção era escassa, os intervalos longos. Tia Mônica ajudava, é certo, ainda que de má vontade.--Vocês verão a triste vida, suspirava ela. --Mas as outras crianças não nascem também?perguntou Clara. --Nascem, e acham sempre alguma cousa certa que comer, ainda que pouco... --Certa como? --Certa, um emprego, um ofício, uma ocupação, mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem gasta o tempo?Cândido Neves, logo que soube daquela advertência, foi ter com a tia, não áspero mas muito menos manso que de costume, e lhe perguntou se já algum dia deixara de comer.--A senhora ainda não jejuou senão pela semana santa, e isso mesmo quando não quer jantar comigo. Nunca deixamos de ter o nosso bacalhau... --Bem sei, mas somos três. -- Seremos quatro. --Não é a mesma cousa. -- Que quer então que eu faça, além do que faço? -- Alguma cousa mais certa. Veja o marceneiro da esquina, o homem do armarinho, o tipógrafo que casou sábado, todos têm um emprego certo... Não fique zangado; não digo que você seja vadio, mas a ocupação que escolheu é vaga. Você passa semanas sem vintém. -- Sim, mas lá vem uma noite que compensa tudo, até de sobra. Deus não me abandona, e preto fugido sabe que comigo não brinca; quase nenhum resiste, muitos entregam-se logo.Tinha glória nisto, falava da esperança como de capital seguro. Daí a pouco ria, e fazia rir à tia, que era naturalmente alegre, e previa uma patuscada no batizado.Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador, como abrira mão de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. Não obrigava a estar longas horas sentado. Só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Cândido Neves lia os anúncios, copiava-os, metia-os no bolso e saía às pesquisas. Tinha boa memória. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido,gastava pouco tempo em achá-lo, segurá-lo, amarrá-lo e levá-lo. A força era muita, a agilidade também. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de cousas remotas,via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificação; interrompia a conversa e ia atrás do vicioso.Não o apanhava logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificação nas mãos. Nem sempre saía sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão.Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor.Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A vida fez-se difícil e zura.Comia-se fiado e mal; comia-se tarde. O senhorio mandava pelo aluguéis.Clara não tinha sequer tempo de remendar a roupa ao marido, tanta era a necessidade de coser para fora. Tia Mônica ajudava a sobrinha, naturalmente. Quando ele chegava à tarde, via-se-lhe pela cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já lhe sucedia, ainda que raro, enganar-se de pessoa, e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor; tal era a cegueira da necessidade. Certa vez capturou um preto livre; desfez-se em desculpas, mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem.--É o que lhe faltava! exclamou a tia Mônica, ao vê-lo entrar, e depois de ouvir narrar o equívoco e suas conseqüências. Deixe-se disso, Candinho; procure outra vida, outro emprego.Cândido quisera efetivamente fazer outra cousa, não pela razão do conselho, mas por simples gosto de trocar de ofício; seria um modo de mudar de pele ou de pessoa. O pior é que não achava à mão negócio que aprendesse depressa.A natureza ia andando, o feto crescia, até fazer-se pesado à mãe, antes de nascer.Chegou o oitavo mês, mês de angústias e necessidades, menos ainda que o nono, cuja narração dispenso também. Melhor é dizer somente os seus efeitos. Não podiam ser mais amargos.--Não, tia Mônica! bradou Candinho, recusando um conselho que me custa escrever, quanto mais ao pai ouvi-lo. Isso nunca!Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura de tolerar a dous jovens pais que espreitavam a criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular... Enjeitar quê? enjeitar como? Candinho arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de jantar. A mesa, que era velha e desconjuntada, esteve quase a se desfazer inteiramente. Clara interveio. -- Titia não fala por mal, Candinho. --Por mal? replicou tia Mônica. Por mal ou por bem, seja o que for, digo que é o melhor que vocês podem fazer. Vocês devem tudo; a carne e o feijão vão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumentar? E depois, há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior. Este será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua. Enfim... Tia Mônica terminou a frase com um gesto de ombros, deu as costas e foi meter-se na alcova. Tinha já insinuado aquela solução, mas era a primeira vez que o fazia com tal franqueza e calor,-- crueldade, se preferes. Clara estendeu a mão ao marido, como a amparar-lhe o ânimo; Cândido Neves fez uma careta, e chamou maluca à tia, em voz baixa. A ternura dos dous foi interrompida por alguém que batia à porta da rua.--Quem é? perguntou o marido. --Sou eu.Era o dono da casa, credor de três meses de aluguel, que vinha em pessoa ameaçar o inquilino. Este quis que ele entrasse.--Não é preciso... --Faça favor.O credor entrou e recusou sentar-se, deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora; achou que pouco. Vinha receber os aluguéis vencidos, não podia esperar mais;se dentro de cinco dias não fosse pago, pô-lo-ia na rua. Não havia trabalhado para regalo dos outros. Ao vê-lo, ninguém diria que era proprietário; mas a palavra supria o que faltava ao gesto, e o pobre Cândido Neves preferiu calar a retorquir. Fez uma inclinação de promessa e súplica ao mesmo tempo. O dono da casa não cedeu mais.--Cinco dias ou rua! repetiu, metendo a mão no ferrolho da porta e saindo.Candinho saiu por outro lado. Nesses lances não chegava nunca ao desespero, contava com algum empréstimo, não sabia como nem onde, mas contava. Demais, recorreu aos anúncios. Achou vários, alguns já velhos, mas em vão os buscava desde muito. Gastou algumas horas sem proveito, e tornou para casa. Ao fim de quatro dias, não achou recursos; lançou mão de empenhos, foi a pessoas amigas do proprietário, nãoalcançando mais que a ordem de mudança.A situação era aguda. Não achavam casa, nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma; era ir para a rua. Não contavam com a tia. Tia Mônica teve arte de alcançar aposento para os três em casa de uma senhora velha e rica, que lhe prometeu emprestar os quartos baixos da casa, ao fundo da cocheira, para os lados de um pátio.Teve ainda a arte maior de não dizer nada aos dous, para que Cândido Neves, no desespero da crise começasse por enjeitar o filho e acabasse alcançando algum meio seguro e regular de obter dinheiro; emendar a vida, em suma. Ouvia as queixas de Clara,sem as repetir, é certo, mas sem as consolar. No dia em que fossem obrigados a deixar a casa, fá-los-ia espantar com a notícia do obséquio e iriam dormir melhor do que cuidassem.Assim sucedeu. Postos fora da casa, passaram ao aposento de favor, e dous dias depois nasceu a criança. A alegria do pai foi enorme, e a tristeza também. Tia Mônica insistiu em dar a criança à Roda. "Se você não a quer levar, deixe isso comigo; eu vou à Rua dos Barbonos." Cândido Neves pediu que não, que esperasse, que ele mesmo a levaria.Notai que era um menino, e que ambos os pais desejavam justamente este sexo. Mal lhe deram algum leite; mas, como chovesse à noite, assentou o pai levá-lo à Roda na noite seguinte.Naquela reviu todas as suas notas de escravos fugidos . As gratificações pela maior parte eram promessas; algumas traziam a soma escrita e escassa. Uma, porém, subia a cem mil-réis. Tratava-se de uma mulata; vinham indicações de gesto e de vestido.Cândido Neves andara a pesquisá-la sem melhor fortuna, e abrira mão do negócio; imaginou que algum amante da escrava a houvesse recolhido. Agora, porém, a vista nova da quantia e a necessidade dela animaram Cândido Neves a fazer um grande esforço derradeiro. Saiu de manhã a ver e indagar pela Rua e Largo da Carioca, Rua do Parto e da Ajuda, onde ela parecia andar, segundo o anúncio. Não a achou; apenas um farmacêutico da Rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga, três dias antes, à pessoa que tinha os sinais indicados. Cândido Neves parecia falar como dono da escrava, e agradeceu cortesmente a notícia. Não foi mais feliz com outros fugidos de gratificação incerta ou barata.Voltou para a triste casa que lhe haviam emprestado. Tia Mônica arranjara de si mesma a dieta para a recente mãe, e tinha já o menino para ser levado à Roda. O pai, não obstante o acordo feito, mal pôde esconder a dor do espetáculo. Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara; não tinha fome, disse, e era verdade. Cogitou mil modos de ficar com o filho; nenhum prestava. Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia. Consultou a mulher, que se mostrou resignada. Tia Mônica pintara-lhe a criação do menino; seria maior a miséria, podendo suceder que o filho achasse a morte sem recurso. Cândido Neves foi obrigado a cumprir a promessa; pediu à mulher que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe. Assim se fez; o pequeno adormeceu, o pai pegou dele, e saiu na direção da Rua dos Barbonos.Que pensasse mais de uma vez em voltar para casa com ele, é certo; não menos certo é que o agasalhava muito, que o beijava, que cobria o rosto para preservá-lo do sereno.Ao entrar na Rua da Guarda Velha, Cândido Neves começou a afrouxar o passo. --Hei de entregá-lo o mais tarde que puder, murmurou ele. Mas não sendo a rua infinita ou sequer longa, viria a acabá-la; foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à Rua da Ajuda. Chegou ao fim do beco e, indo a dobrar à direita, na direção do Largo da Ajuda, viu do lado oposto um vulto de mulher; era a mulata fugida.Não dou aqui a comoção de Cândido Neves por não podê-lo fazer com a intensidade real. Um adjetivo basta; digamos enorme. Descendo a mulher, desceu ele também; a poucos passos estava a farmácia onde obtivera a informação, que referi acima. Entrou, achou o farmacêutico, pediu-lhe a fineza de guardar a criança por um instante; viria buscá-la sem falta.--Mas... Cândido Neves não lhe deu tempo de dizer nada; saiu rápido, atravessou a rua, até ao ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarma. No extremo da rua, quando ela ia a descer a de S. José, Cândido Neves aproximou-se dela. Era a mesma, era a mulata fujona. --Arminda! bradou, conforme a nomeava o anúncio.Arminda voltou-se sem cuidar malícia. Foi só quando ele, tendo tirado o pedaço de corda da algibeira, pegou dos braços da escrava, que ela compreendeu e quis fugir. Era já impossível. Cândido Neves, com as mãos robustas, atava-lhe os pulsos e dizia que andasse. A escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário. Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus.--Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço! -- Siga! repetiu Cândido Neves. --Me solte! --Não quero demoras; siga!Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia.Arminda ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes,--cousa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoutes.--Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntou Cândido Neves.Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele.Também é certo que não costumava dizer grandes cousas. Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.--Aqui está a fujona, disse Cândido Neves. -- É ela mesma. --Meu senhor! --Anda, entra... Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinqüenta milréis,enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou.O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer as conseqüências do desastre.Quando lá chegou, viu o farmacêutico sozinho, sem o filho que lhe entregara. Quis esganá-lo. Felizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá dentro com a família, e ambos entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor.Agradeceu depressa e mal, e saiu às carreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa de empréstimo com o filho e os cem mil-réis de gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga.Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas, verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto.--Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.

RESPONSABILIDADE SOCIAL


Participei no sábado de um Seminário que falava sobre humanizaçao da Escola. Lá discutiu-se a postura do professor diante do seu ofício e a necessidade de assumirmos o nosso papel social. Aquilo que nos cabe neste latifúndio, na realidade não é pouco. Penso e repenso minha prática, das tantas vezes em que busquei nos meus pares uma alternativa e que ouvi frases alentadas como "não tem jeito". Se não tem jeito, meu Deus, o que eu faço por aqui?

Por outro lado, muitas vezes, tal qual uma ilha, professores tentam sozinhos, fazer o verão pras outras andorinhas. De que jeito agir individualmente num espaço de ação coletiva?

Quando se fala de humanização da Escola, reflito: temos agido com humanos? As gestões estão interessadas no lado humano do professor?

Outra questão latente no que diz respeito em assumir a nossa função social relaciona-se diretamente com a nossa formação. O professor é um profissional que nunca está pronto. Estudar é um outro lado do nosso fazer. Ler é mais que uma necessidade, e o que deve ser um prazer, tem que ser pra nós uma prática.

Está mais do que na hora de pararmos de procurar culpados.

domingo, 19 de outubro de 2008

FILMES ESSENCIAIS

Alguns filmes na vida da gente, ocupam um papel essencial em nossa biografia. Alguns, por marcarem uma fase da vida em especial, outros por serem formadores de opinião, outros por causarem um impacto emocional tão forte, que simplismente não conseguimos esquecer. Tenho alguns bem fortes na minha memória, como "Sociedade dos Poetas Mortos", por marcar uma fase minha, de profundo idealismo e desejo de liberdade.
Outro, que lembro ter saído chocada do cinema, foi Seven... Brad Pitt estava viceral e bem, a história é de uma crueza e violência impressionantes. Saí pertubada do cinema, sobretudo porque na cena final o público gritava em transe : mata, mata ele!!!
Semana passada assisti o incensado "Ensaio sobre a cegueira", do Fernando Meirelles, diretor que gosto pelos outros filmes que conheço ( Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel). O Filme é extremamente pertubador, incomum. Conta a história de pessoas que ficam repentinamente cegas, e que vão sendo sistematicamente isoladas em colônias. Quando um jovem médico se vê acometido de tal cegueira, sua mulher, magistralmente interpretada por Juliane Moore, finge-se de cega, para acompanhá-lo. Lá, sendo a única capaz de enxergar, vê a degradação sistemática da sociedade, a perda dos valores éticos, o fundo do poço.
É um filme pra bons estômagos. Se estiver a fim de morrer, não vá ver. Porém, é um filme necessário, absurdamente essencial.

sábado, 18 de outubro de 2008

Desde criança sinto frequentemente uma sensação de deslocamento, um “o que estou fazendo aqui?” que me persegue, desde que me entendo por gente. E olha que me entendo por gente desdo os 5 anos! Nas festas de natal em que tinha a família reunida me dava uma incômoda sensação de estranheza.
Isso, ocorreu-me hoje, quando fui a um pagode _ aliás em qualquer pagode que tenha ido _ percebi que queria ser resgatada por um príncipe (êpa, só há sapos ...) ou abduzida por ets( abduzida, não, só iria voltar pra casa...) .
Entre estranhas letras fúteis ( afinal o que seria da canção sem a futilidade) e a catarse proporcionada pelos funks da moda prontamente oferecido no intervalo, o que me resta?
Tentei sorrir, conversar ou olhar em torno e só consegui ver minha própria inadequação. Porque enquanto meu corpo tentava acompanhar estes ritmos, minha cabeça estava nas nuvens.
É que apesar de todo barulho que rolava fora de mim, mais altas cantavam as minhas canções, e embora tantas cores brilhassem em meu entorno, em meus sonhos mais cores há. Olha que eu nem usei ácido...
Foram dois ices e uma coca-cola, apenas. Bem que tentei me embriagar... Mas minha mente delirante as vezes é imune ao álcool, paciência.
Agora, já sei que grande parte da minha vida é buscar um lugar no mundo. Sei que num pagode não é. Acharei um canto (com duplos sentidos, por favor) que me caiba? Haverá neste mundinho ordinário um lugar onde eu me encaixe?
Ou caberá a mim, cigana errante, não achar um lugar no mundo... Somente procurá-lo...

O PRECIPÍCIO

Sim, estou viva
e a vida segue assim
desconexa, impressinante
me consumindo.
Ela passa tão depressa e a gente só pensa na morte.
O tempo é dono de qualquer espaço vazio e o vazio
também é tempo de vida.
Súbito silêncio.
Nas vagas do som
há um precipício inigualável.
A POESIA É O PRECIPÍCIO.