quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Retorno

Estou sumida deste blog, mas as ideias continuam a existir. Hoje ouvia a tradução de uma música beeeeem romântica e fiquei emocionada. Gosto de amores que dão certo, comédias românticas açucaradas, músicas dramáticas, flertes, flores , olhares.
Gosto de filhotes, humanos ou não. Tenho uma ternura sem medida por algumas coisas... Tenho saudades da casa da minha mãe em Araruama, do cheiro de manga doce no pé. E dos cajás ácidos que comia sem pressa, com medo de arranhar as gengivas.
Sinto uma solidão que não cessa, mesmo quando estou acompanhada. Sou melancólica e engraçada ao mesmo tempo.
As vezes me sinto mais feliz com livros do que com pessoas. Estou lendo os Maias, e morro de rir das frases de efeito.Êta língua portuguesa arretada!
Tenho medos infantis e adultos. Tenho tido insônia. Estou incoerente hoje.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

NO TREM



Naquela noite os trens da Central estavam vazios. Era Copa do Mundo, Brasil contra Argentina. A Central com seus típicos cheiros de fezes e urina, invadiam o ouvido de Lia. Só os mendigos dormiam em paz.
Ela pegou o trem pra casa . Eram nove horas. Todos estranhavam sua coragem. Mas ela, mulher sem atributos e sem posses, nada tinha a temer.
A composição partiu, seu vagão só tinha um bêbado ressonado calmamente num canto. Uma das lâmpadas estava queimada, o q deixava o vagão numa certa penumbra.
Na estação do Riachuelo entrou um homem soturno. Trajava uma camisa do flamento e uma bermuda jeans. Talvez tivesse 18, talvez 20 anos. No braço uma águia tatuada.
Lia não teve medo. Tinha medo de pouca coisa, mais temia era diabetes, “Tia Zezé sofreu tanto, coitada”. Ia absorta.
Ela só estava indo embora naquele horário, apesar do jogo do Brasil. Correta como só, não gostara da queixa do chefe a respeito das respostas a serem dadas de alguns emails acumulados. Ficou sozinha no escritório, dando fim no trabalho acumulado.
Trabalho monótono. Não falava com ninguém, era eficiente e seca. Era apenas cordial, mas nunca pessoal. Lembrava no caminho de volta , entediada, de um pisão no pé que levara cedo, das crianças pedintes na hora do almoço, do constante cheiro de urina da cidade.
O Homem do Riachuelo a abordou: “perdeu minha tia”!
Lia entregou a bolsa sem susto, quase entediada. Nada havia de valor: uns poucos trocados, batom, lenço, retrato do sobrinho, celular barato, agenda.
Ele tinha olhos esbugalhados e abriu a bolsa afoito, resfolegava, estava visivelmente drogado. O Bêbado resmungou no canto, mas continuou dormindo.
Ele foi jogando suas coisas no chão, pisava em cima delas. Cuspiu na escova de dentes de Lia.
Ela sentiu grande ira. Pensou nas esmolas que dava aos miseráveis, em todos os menores remelentos que um dia ela quis chutar,mas que a boa formação católica impediu. Pensou nas velhas de feridas abertas na Uruguaiana, sentiu a náusea que aprendera a controlar com o tempo.
Na estação vazia do Méier, o bêbado desceu cambaleante, sem se dar conta do que acontecia. Quando o trem partiu, Lia sacou do bolso do casaco uma pequena pistola prateada, presente do seu falecido pai militar. Ele dizia que todo mundo tem que saber se defender. Sem hesitar, ela atirou.
Por um instante ele olhou atônito, como se tivesse sido traído. O primeiro tiro acertou seu braço. O Segundo, logo em seguida, acertou a barriga, o terceiro , a cabeça.
Agora ela era feroz e avançava impetuosa sobre ele. Ele estrebuchava e ela pisou com vontade na mão dele.
Uma massa cinzenta saia de sua cabeça. “Tem miolos, esse verme” Ela pensou.
Catou lentamente suas coisas do chão. Retocou seu batom com certo prazer. “Demorei tanto a achar essa cor de batom...”
O homem morto gemeu um pouco ainda, depois silenciou.
Só o “ tatac tatac” do trem sobre os trilhos. Estação do Engenho de dentro, ela ajeitou os cabelos e saiu do vagão. Desceu as escadas da plataforma impecavelmente, com a paz dos anjos e seguiu para sua casa sem culpa ou pesar.
Na rua escura só um grito de gol . Do Brasil. ( de 9/9/96 )







domingo, 21 de junho de 2009

Finalmente vi o Hamlet.


Lendo Mulheres que correm com lobos, Clarice Estes conta sobre locais sagrado das quais as mulheres aborígenes ( e também de outras culturas) reservam determinadas ações como forma de acessar à própria alma. Segundo ela “ É possível invocar sua alma de diversas formas, nos cantos, toques de tambores , na música, nas visões de grande beleza, da oração, da contemplação, dos ritos e rituais, de ficar parada e até mesmo de idéias e disposições de ânimo arrebatadoras”.
Já percebi há muito tempo do poder que o teatro tem sobre mim. Uma sensação de plenitude, de certeza da minha condição humana, pequenos vislumbres da grande verdade da qual perdemos contato. Sinto necessidade de acessar â ficção, de sentir o prazer de ver (bons) atores e bons textos em ação. E como ficar privada do teatro me faz ficar triste.
Quinta feira, acessei à minha alma.
Em forma de vociferação, cusparadas, gritos e sussurros, vi o Hamlet. Wagner Moura é tudo de bom, mas a peça vai além dele. Sheakespeare se sobrepõe aos pobres encarnados que ali estão em ação e contemplação . Hamlet vai viver além de nós, pois o debate sobre vida e morte, sobre a fragilidade da condição humana, mais que clichês, são pontos de apoio pra acessar nossas almas.
Saí do teatro sorridente e meio anestesiada. Não consegui dormir porque as palavras não saíam da minha mente. Passei o dia seguinte me sentindo estranha.
E ainda há o que esquecem do poder que a palavra tem sobre o Homem
.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Só eu.

Passam dias e noites, noites e dias e eu convivo pacificamente com meus irmãos.
Me misturo às notícias, convivo alegremente com meus pares, debato o preço do pão e o as últimas do futebol. Empurro carrinhos no supermercado, compartilho receitas de bolo, porém o tempo todo estou irremediavelmente só.
Uma sensação de estranheza e descolamento do mundo que me cerca vive a me atormentar.
Sento entre as multidões em torno da vida, mas vivo sozinha. O peso da realidade me alquebra, por vezes choro no chuveiro.
Conto piadas, passo emails, resolvo tantos problemas, entretanto me sinto oca.
Me culpo por ser infeliz e fico mais infeliz ainda.
Tenho medo, mais do que está dentro de mim do que o que está fora. Alguns dias quero sair porta fora e nunca mais voltar.
Me sinto horrível ´por não ser grata, por não dar glórias pelo que tenho. Alterno creduilidade com cetismo.
Quero não trabalhar.
Tem dias que não quero nem pentear os cabelos.
Tô mal .

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Um certo Bruno


Bruno Gagliassso é um daqueles atores bonitos que podem ficar boa parte da vida fazendo o galã romântico em novelas da tevê. Pode ter um futuro confortável fazendo uma novela depois da outra, alguns comerciais e participando de programas de auditório. Mas ele quis mais. Ele quis ser Van Gogh.

Por quase duas horas ele incorpora o artista no Teatro Leblon. É intenso. É forte. A construção do personagem passa por um trabalho corporal forte, um desnudamento da alma do pintor, uma construçao-desconstruçao do cenário que requer uma marcação cerrada por parte dos atores.

Na verdade, Bruno é o carro chefe da peça, mas o elenco é todo muito bom. Pedro Garcia Netto, Larissa Bracher e Marcelo Valle, fazem Theo, Johanna e Gaugin magistralmente. A peça tem muito movimento.

A campanha "Teatro para Todos", tem permitido que eu com meu parco orçamento assista a muitos espetáculos ultimamente. " Um certo Van Gogh" é ir na certa... não tem erro!

E, querido Bruno: além de LINDO , voce arrasa!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

SOBRE A ARTE DE ESCUTAR



Alguma vez já se sentiu depósito para alguem que queria apenas falar ( e não conversar)? Algum dia já quis apenas falar e falando reelaborou algo sobre você mesma? Pois bem, esse é o tema do espetáculo teatral " A arte de Escutar", que assisti ainda ontem.

O excelente texto de Carla Faour retrata uma mulher sem nome, que invisível, se presta a ouvir as histórias de pessoas em diferentes contextos. A idosa porralouca na fila do banco, os parentes numa noite de natal, uma colega na academia de ginástica, um senhor dentro do metrô, todos passam por ela com seus sentimentos e a necessidade de contar sua história. Esta mulher sem nome apenas ouve, e o faz bem, sem revelar opiniões, se dizendo "uma personagem principal que é coadjuvante".

Identifiquei-me com a personagem, pois, apesar de tagarela, percebo muitas vezes que as pessoas depositam suas histórias sobre meu colo. E eu as escuto.

Num tempo de verborragia, onde todos querem dizer mas ninguém quer escutar, o espetáculo leva á uma bela reflexão. Temos tido tempo para ouvir os outros? Conseguimos , tal qual a personagem, repensar a nossa existência, a partir das histórias alheias?

A Peça acontece no Centro Cultural da Justiça Federal. Espaço bonito e com um bom preço. Só questiono o seguinte: o que um bebê de 6 meses estava fazendo lá? Não deveria ser permitido, certo? E também percebi que um grupo de pessoas entrou no espetáculo após o início. Tremendo desrespeito com atores e platéia. Isaac Barnavid, Charles Paraventi e Juliana Guimarães estavam irretocáveis em seus personagens.

Afinal, como diz a Mulher sem Nome da peça :"Muitos dizem que a fala distingue o ser humano de outros animais. Discordo. Saber escutar é o que nos dá Humanidade..."

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008